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Ocupação da Reitoria da USP, o resgate da dignidade

29/05/2007 às 16h18

Num Brasil em que os poderes da República e o empresariado se afundam na corrupção e em que a academia e a intelectualidade abandonaram seus compromissos com o povo e com o país, a reserva ética e a esperança renascem com a juventude.

Por Hamilton Octavio de Souza (Agência Carta Maior)

A ocupação da reitoria da USP, pelos estudantes, independentemente do
desfecho determinado no embate com o poder constituído e a força das
armas, recolocou na ordem do dia várias questões que são relevantes
para movimento estudantil, o meio universitário e a sociedade em geral.

A burocracia acadêmica, responsável pela gestão da Universidade, não
havia esboçado a menor reação diante da manobra safada do governador
José Serra, do PSDB, que quis controlar a instituição por meio de
medidas camufladas e indiretas.

Ao contrário, a burocracia acadêmica acovardou-se e tornou pública a
sua falta de compromisso com os valores mais sagrados da Universidade,
revelou o seu despreparo para o diálogo e para a democracia. À reitora,
insensível e incompetente, só resta renunciar.

Se os estudantes não tivessem entrado em ação para defender a
Universidade e não tivessem ocupado a reitoria – um gesto legítimo nas
instituições usurpadas pelas castas autoritárias e elitistas -,
certamente a solerte academia teria engolido as manobras governamentais
sem dar um pio.

No primeiro momento, inclusive, apenas os funcionários apoiaram a luta
dos estudantes. Os professores, sob os efeitos maléficos da longa
anestesia e do exacerbado individualismo, demoraram vinte dias para
entender o sentido mais profundo do movimento, escutaram suas próprias
demandas e entraram em greve.

O que os estudantes lembraram para todos, desde o interior da reitoria
ocupada, é que a prepotência do discurso economicista e tecnocrático
precisa ser impedida de continuar destruindo o espaço e a vida
universitária; que é preciso parar com os sacrifícios impostos ao
ensino superior em nome das leis predatórias do neoliberalismo; e que a
Universidade precisa investir em professores, salários, instalações e,
especialmente, na liberdade criativa e transformadora.

Se a reitoria não tivesse sido ocupada, dificilmente essas questões
teriam entrado na agenda das autoridades, mesmo porque o papel
rastejante da burocracia acadêmica tem sido o de cumprir levianamente
as imposições do sistema dominante sem qualquer questionamento,
reflexão, debate e resistência. Tudo faz para se manter incrustada no
aparelho que lhe permite delinqüir.

Do outro lado, a ocupação da reitoria demonstrou cabalmente que o
governo do Estado não dispõe de um único quadro – uma única pessoa –
capaz de dialogar com a juventude, com os estudantes universitários e
com quem reivindica alguma coisa. Tanto é que o tucano Serra,
ironicamente um ex-presidente da UNE, indicou a Polícia Militar para
“negociar” com os estudantes. Se a decisão teve a intenção de enfatizar
desprezo pela ação estudantil, o tiro saiu pela culatra, e apenas
revelou mais uma fragilidade de um governador medíocre com pretensão de
chegar à Presidência da República.

Num Brasil em que os poderes da República e o empresariado se afundam
na lama dos negócios privados e da corrupção, em que a Universidade
mercantilizou sua relação com a sociedade e a academia e a
intelectualidade abandonaram seus compromissos com o povo e com o País,
a reserva ética e a esperança renascem com a juventude – em momentos
como esse de tomada de posição, de risco e de resgate da dignidade.

Quem olha o que está acontecendo na Universidade apenas com a visão
doente da paranóia não quer mesmo construir o novo, o futuro, o que
precisa ser mudado. Prefere padecer na sua própria arrogância e
egoísmo. Não irá entender jamais que a história continua, e que amanhã
será outro dia.

Por: Hamilton Octavio de Souza, jornalista e professor da PUC-SP.

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