Avaliação Institucional da Saúde do Trabalhador da Previdência Social
Remígio Todeschini – Doutor em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações e Diretor Executivo do Instituto de Previdência de Santo André-SP.
Tese de doutorado concluída em maio de 2014 no Programa de Pós-Graduação de Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações da UnB (Universidade de Brasília) apresenta um novo modelo de avaliação institucional baseado em quatro dimensões: missão, valores, atitudes e ações. A tese foi intitulada como: Desenvolvimento de um modelo de avaliação institucional: Missão, valores, atitudes e ações. (O caso de saúde do trabalhador da Previdência Social). As avaliações institucionais e organizacionais existentes baseiam-se em modelos focados muito em metas e indicadores que esquecem e não analisam de forma integrada a missão institucional, valores que estão em jogo, atitudes preditoras de comportamentos e o conjunto de todas as ações. O novo modelo proposto de avaliação, visa aprofundar com a análise das quatro dimensões, as discrepâncias e sinergias existentes, para que sejam propostos novos desenhos e correção de rota, e aperfeiçoar o planejamento, acompanhamento e execução de diversos programas, políticas e ações em uma instituição e organização.
Em muitas instituições as metas e indicadores são imposições da alta administração distantes de objetivos (missão) coerentes que as pessoas objetivamente querem vivenciar, compartilhar e discutir no seio das instituições. Diversos modelos de avaliação que enfatizam metas e indicadores impositivos reforçam na prática modelos de gestão que reforçam o “assédio moral” na vida institucional tanto do setor público como privado, e impedem o desenvolvimento da gestão do trabalho com qualidade, melhor produtividade, participação, criação, conteúdo e satisfação.
Transpondo isso para o campo de Saúde e Segurança do Trabalho (SST): Serão efetivas metas de redução de acidentes e doenças, num ambiente fabril onde as máquinas são velhas, defasadas tecnologicamente e sem proteção e a gestão do trabalho é autoritária, não participativa e não motivadora? Se a missão, valores, atitudes e ações de uma empresa estiverem focadas na promoção, proteção e prevenção acidentária, serão obtidos resultados positivos com a diminuição da acidentalidade.
Com essas premissas, é que se desenvolveu um novo modelo com questionário focado em missão, valores, atitudes e ações para poder avaliar qualquer tipo de instituição e organização. A aplicação prática ocorreu com a instituição Previdência Social, em suas ações e programas voltados para a saúde do trabalhador. A pesquisa foi concluída em 2013 e se desenvolveu através de análise documental de documentos tanto governamentais, como de representações empresariais e de representações de trabalhadores. Seguiram-se entrevistas, aplicação de questionários e reuniões com grupos focais com representantes de trabalhadores, empresários e gestores governamentais que atuam na área de saúde do trabalhador e SST do Ministério do Trabalho (Auditores Fiscais), Ministério da Previdência (Peritos e gestores do INSS) e membros de um Centro de Referência de Saúde do Trabalhador (CEREST) de um grande município. A fundamentação teórica das quatro dimensões baseou-se em conceitos da psicologia social e psicologia do trabalho (categoria trabalho).
A tese buscou saber qual era a missão real da previdência, e ao mesmo tempo dissecá-la em suas três formas: real, declarada e percebida. A missão real da previdência social, pesquisada a partir da análise documental (legislação e outros documentos) como das entrevistas realizadas, apresenta-se como uma seguradora com finalidade de reparação pecuniária aos seus segurados, ou seja de pagamento de benefícios, e de prevenção na questão de saúde do trabalhador.
Os resultados e discussão da tese, com o aprofundamento da missão em suas três formas (real, declarada e percebida), mostrou mais discrepâncias do que sinergias. A primeira parte da missão da previdência que é a reparação financeira apresentou discrepâncias entre os diversos atores. Os trabalhadores percebem que a missão de reparação é denegada quando são criados obstáculos na concessão de benefícios junto à Previdência Social aos segurados, e essa divergência se agrava quando empresários declaram que a concessão de benefícios onera cada vez mais os cofres da Previdência Social. Gestores governamentais da área de saúde (CEREST) e do trabalho (Auditores Fiscais do Trabalho) queixam-se que é frequente a negação de benefícios por parte da Previdência Social.
Quanto à missão preventiva da previdência, a análise documental e pesquisa realizada, com os diversos atores, mostrou que a prevenção está num contexto declarativo e discursivo que não se efetiva, estando colocada em segundo plano. Isso decorre, segundo os entrevistados, da falta de pessoal (redução de aberturas de vagas em concursos), sobreposição de atribuições de atuação e fiscalização entre os três ministérios envolvidos, além da falta de integração efetiva entre os órgãos do governo. Em suma, a sinergia na missão coloca-se muito mais na busca dos benefícios de reparação e de compensação financeira (visão monetarista e de sobrevivência imediata). Não existem instrumentos efetivos de prevenção proativos na previdência, com exceção do Fator Acidentário de Prevenção (FAP), que será analisado mais à frente na dimensão ações.
Um dos valores referidos, entre os pesquisados, mostrou que o valor da segurança financeira é o dominante, ou seja, reforça a busca do benefício acidentário. Essa motivação mais conservadora diz respeito a diversos estudos realizados por Schwartz, e Schwartz e Ros de 1995 até 2012. Esse valor individual e cultural reforça uma idéia conservadora entre todos os atores sociais, que é o manter-se em segurança financeira para continuar sobrevivendo. O estudo de valores, mostrado em diversas pesquisas, apontam que eles sempre estão em polaridade entre posições conservadores e mais proativas. Os valores tipos mais proativos da promoção, prevenção e proteção são citados de forma secundária na avaliação da Previdência Social. Os trabalhadores não percebem no dia a dia a prática do valor prevenção. Os representantes empresariais somente reproduzem declarações quanto a esse valor, e os gestores governamentais estão diante da constante carência de recursos humanos e lacuna de uma ação intergovernamental integrada mais efetiva. Um dos instrumentos exploratórios utilizados para a medição da hierarquia de valores na área de SST, foi o estabelecimento de uma nova taxonomia na tese, a partir da revisão de literatura, que classificou esse valor de SST em seis subtipos: promoção de saúde, proteção de saúde, prevenção em saúde, saúde curativa, compensação em saúde (segurança financeira) e saúde paliativa.
A análise dos dados sobre a dimensão atitudes registrou que elas são mais negativas do que positivas. A não concessão de benefícios previdenciários por parte principalmente de trabalhadores e gestores da saúde (CEREST) e trabalho (auditores fiscais do trabalho) apresenta-se no dia a dia como de atitudes desfavoráveis, e de exigências burocráticas na Previdência que são intransponíveis aos segurados. Todos os pesquisados entendem que as atitudes positivas, em prol da prevenção, seriam sinergéticas para a redução efetiva da acidentalidade, porém não ocorrem. Esses resultados apontam dois caminhos necessários para a mudança de atitudes de forma mais positiva. Inicialmente deve haver um intenso trabalho de formação e qualificação dos profissionais que atendem os segurados, para que os direitos definidos na legislação quanto à proteção financeira sejam cumpridos. Em segundo lugar deve ser incentivada a mudança de atitudes proativas e preventivas, com formação permanente em SST e novos investimentos, além de profissionais da Previdência dedicados à prevenção, fortalecendo a cultura de prevenção.
Quanto às ações, a tese demonstrou pela análise documental e entrevistas dos pesquisados, que são predominantemente de reparação financeira. A grande maioria das ações, são benefícios pagos pela Previdência Social de auxílio alimentar, frente às sequelas da acidentalidade de incapacidade temporária ou permanente. Compensam-se financeiramente as sequelas, e não estão disponíveis ações de natureza preventiva. O Fator Acidentário de Prevenção (FAP), que é a cobrança individualizada do seguro acidente do trabalho, é uma exceção, pois busca incentivar aquelas empresas que investem em prevenção com a redução da cobrança do seguro de acidente do trabalho. O avanço desta ação de cobrança, poderia ser mais proativo com um registro concreto de ações de promoção, proteção e prevenção, fiscalizado pelos atores sociais e governo, com descontos ainda maiores do seguro acidente. A missão da previdência se cumpre em parte com as ações (benefícios) que indenizam os trabalhadores pelos acidentes, mas falha no aspecto da prevenção.
Em síntese, o modelo de avaliação adotado aponta principalmente as discrepâncias e conflitualidades em uma instituição ou organização. O caso de saúde do trabalhador da Previdência Social mostra que o caráter da missão, valores, atitudes e ações são muito discrepantes e estão voltados para a compensação financeira, necessária para a sobrevivência dos segurados, mas falham em estratégias de prevenção. A prevenção é secundarizada devido a carência de recursos humanos, orçamentos escassos, falta de integração ou unificação de órgãos governamentais, entre outros motivos. Sem dúvida, essas discrepâncias desnudam as conflitualidades e contradições existentes no atual estágio do capitalismo brasileiro em diversos setores econômicos. As reflexões desta avaliação poderão oferecer luzes e novos caminhos para a diminuição da acidentalidade.
Esse modelo de avaliação poderá apontar e registrar sinergias, em casos exitosos de instituições e organizações em que há investimentos na área de prevenção. Mostrar também onde o trabalho é realizado de forma criativa, participativa, plural, variada e estável oferecendo avanços significativos tanto na elevação substancial da produtividade, maior satisfação, prazer e motivação das pessoas envolvidas, com o consequente fortalecimento da cultura da prevenção.
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