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Desafios da atual Política Econômica para uma Agenda de Desenvolvimento e Distribuição de Renda

28/06/2011 às 16h27

Desafios da atual Política Econômica para uma Agenda de Desenvolvimento e Distribuição de Renda

Clemente Ganz Lúcio – Sociólogo, Diretor Técnico do DIEESE e membro do CDES – Conselhode Desenvolvimento Econômico e Social

Sérgio Eduardo Arbulu Mendonça – economista e técnico do DIEESE

O Brasil vem crescendo a uma taxa de 4,5% em média nos últimos sete anos (2004-2010). Essenovo patamar, após um longo período de baixo crescimento, tem renovado asexpectativas otimistas da sociedade brasileira. As taxas de desemprego voltaramaos níveis de 20 anos atrás e a criação de novos empregos – a grande maioriacom carteira de trabalho assinada no setor privado e no setor público – temsuperado a entrada de novos ingressantes no mercado de trabalho. Essa dinâmica,em que a demanda de trabalho tem superado a oferta, contribui para a redução dodesemprego. Um conjunto de outras políticas públicas – como a política devalorização do salário mínimo, o Bolsa Família e a política de crédito -impulsiona o crescimento da economia, criando um círculo virtuoso de expansãoda renda e do emprego.

Essasensação de bem estar e otimismo não deve encobrir, contudo, os desafios e os obstáculosà frente para que o país trilhe uma rota de desenvolvimento com inclusão emelhoria do padrão de vida de toda a população, capaz de reduzir a enorme desigualdadede renda e riqueza que ainda é vigente no Brasil. E o enfrentamento dessesdesafios exige a implantação de políticas que vão além da política econômica oumacroeconômica, embora essa seja peça estratégica para o país atingir umpatamar superior de desenvolvimento.

O que caracteriza o atual estágio de desenvolvimento e qual o papel da política econômica?

Em 2011, oProduto Interno Bruto por habitante (PIB per capita) no Brasil, importante indicador para avaliarmos o estágio de desenvolvimento dos países, deve atingir cerca de 20 mil reais ou 12 mil dólares correntes. Para efeito de comparação, os EUA atingiram um PIB per capita de 47 mil dólares em 2010, cerca de quatro vezes o PIB per capita do Brasil. Ainda que se considere que atingir esse nível derenda dos EUA e dos países desenvolvidos pode demorar um longo período de tempo, não há como ignorá-lo como uma meta importante de bem estar da população mundial (1).

Já tendo iniciado esse movimento, nas próximas duas a três décadas o Brasil vai aprofundar o fenômeno que os especialistas em demografia denominam de janela de oportunidade demográfica sem envolver a dimensão sócio-ambiental ou bônus demográfico. Nos próximos 20 a30 anos, a proporção entre a população jovem e adulta em relação à populaçãoque não trabalha (dependente) vai atingir o maior patamar. Nesse período, o paíspoderá atingir o mais alto potencial produtivo em muitas décadas, elevando asoportunidades de criação de renda, riqueza e bem estar para a população.

Para “realizar”esse potencial é necessário crescer e incluir a população que chega todo ano aomercado de trabalho, gerando empregos e ocupações decentes e produtivas epagando salários mais altos. A pergunta é mais que oportuna:

Com a atual política econômica nós vamos chegar lá?

A atualpolítica econômica está apoiada num tripé: o superávit primário das contaspúblicas, a taxa de câmbio flexível e o sistema de metas de inflação sobcomando do Banco Central.

Atualmente,quais são seus principais resultados?

Convivemos com as mais altas taxas de juros reais (descontada a inflação) do mundo. Temos amais alta carga tributária (a relação entre os impostos arrecadados e o tamanho da economia) entre os países com o mesmo nível de renda per capita. E, nosúltimos anos, há uma forte tendência à apreciação da moeda brasileira, dificultando a competitividade dos produtos exportados pelo Brasil e aumentando a facilidadede importar produtos de outros países.

Antes deenfrentarmos o debate sobre a política econômica, cabe registrar que existem diversosobstáculos estruturais ao desenvolvimento. A qualidade da educação, especialmentea educação pública e universal; a carência de infraestrutura econômica; a saúdee o déficit habitacional talvez estejam entre os principais. Atingir outropatamar de desenvolvimento implica enfrentar esses desafios sem o que apenascrescer em termos econômicos não significará bem estar a todos os brasileiros.

Apesar dosproblemas apontados acima, se o país sustentar o atual ritmo de crescimento, entre 4,5% a 5,0% nos próximos 10 anos (ou até antes desse prazo), a economia brasileira vai se tornar a quinta maior economia do mundo. Nossa economia ultrapassará, em tamanho, a da França e a da Inglaterra (embora tenhamos uma renda per capita bem menor).

Ainda quenão se trate de competição internacional entre países, tal fato representaráuma espécie de encontro com nosso destino, já que temos a quinta ou sexta maior população do planeta (devemos ser ultrapassados pelo Paquistão em poucos anos).

Voltando ao tema central de nosso artigo: é necessário mudar a atual política econômica que é a mesma adotada na maioria dos países, sobretudo os emergentes? Ou, dito de outra forma, o atual tripé da política econômica dará sustentação ao crescimento e conduzirá o país a um novo patamar de desenvolvimento, alterando a distribuição de renda e riqueza em direção a mais igualdade? 

A discussãosobre a atual política econômica, em senso estrito, dificilmente criará condições políticas para alterá-la, considerando os interesses internos e externos que trabalham para mantê-la.

É necessário ampliar a dimensão do debate, trazendo ao palco público o tema dodesenvolvimento nacional. Senão, dirão os pragmáticos e defensores da atual política, para que mexer em time que está ganhando, uma vez que o país está crescendo, gerando emprego, reduzindo o desemprego e diminuindo, ainda que timidamente, a desigualdade da renda do trabalho?

A resposta para essa pergunta, em nosso entender, só é possível condicionando a discussão dapolítica econômica ao debate mais amplo do desenvolvimento nacional: resgatar a idéia de que a política econômica e as demais políticas correlatas (fiscal,tributária, cambial) devem estar subordinadas ao objetivo maior dodesenvolvimento nacional e da distribuição da renda.

Na prática,significa dizer que as taxas reais de juros têm de cair para níveis internacionais (muito baixos), a moeda brasileira não pode continuar se apreciando e colocando em risco diversos setores, em particular o industrial. Levando em conta a dimensão do gasto público, deve considerar a superação dos principais problemas como a erradicação da pobreza, a qualidade da educação eda saúde, a eliminação do déficit habitacional e a construção da infraestrutura econômica.

Iniciemos pelos vergonhosos juros praticados no Brasil. Por que são tão altos? A que interesses respondem?

Certamente aos interesses do rentismo arraigado da parcela endinheirada da sociedade brasileiraque deles se beneficia. É uma enorme simplificação no debate econômico epolítico “culpar” o Banco Central e seus diretores, que compõem o Copom (2),pelas decisões que tomam sobre o nível dos juros no Brasil. Ou “culpar” aganância dos bancos que a cada ano apresentam lucros recordes nos seus balanços, influenciados por essas taxas exorbitantes. Sem dúvida, essas instituições contribuem para esse estado de coisas.

Mas não devemos ignorar que juros altos refletem interesses de alguns milhões de brasileirosou estrangeiros que aplicam seus recursos no sistema financeiro brasileiro, inclusive os pequenos poupadores que, em geral, desconhecem a lógica de funcionamento de nosso sistema financeiro. O fato é que a forma de financiamento da nossa dívida pública acaba premiando os aplicadores no curto prazo. Ao contrário da maioria dos países, onde a maior rentabilidade das aplicações tem como contrapartida aplicações em títulos de longo prazo, no Brasil, o aplicador ou o especulador tem altos retornos em aplicações de curtíssimo prazo.

O desmontedessa perversa engrenagem é inadiável, Mas só será feito com forte apoio da parcelada sociedade que é penalizada por esse modelo. E quem são os prejudicados por essa política de juros altos? Os trabalhadores que dependem do crescimento, dosinvestimentos e da geração de empregos; os micro e pequenos empresários que dependem de crédito barato para expandir seus negócios; a população mais carente que depende das políticas públicas de educação, saúde, seguridade social, habitação, transferência de renda e do investimento público em infraestrutura.

Não é possível dissociar o prejuízo para as políticas públicas que decorre do “rombo”que esses juros provocam no orçamento fiscal, forçando a manutenção de altossuperávits e contenção de gastos, e limitando o uso desses recursos parafortalecer e ampliar aquelas políticas.

 

Nessacomplexa teia de interesses, o poder de vocalização e pressão dos agentesenvolvidos nessa disputa é muito assimétrico. Enquanto o interesse da altafinança e do rentismo domina os principais meios de comunicação e defende amanutenção dos juros mais altos do mundo, atacando a voracidade de um Estado perdulárioe endividado, os trabalhadores e a maioria da população que não aplica recursosno sistema financeiro não têm o mesmo poder de influência no debate público. Registre-se,contudo, que o movimento sindical e outras forças sociais, incluindo empresáriosdo setor industrial, têm criticado insistentemente essa política nos últimosanos.

Outra dimensão importante do atual funcionamento da economia brasileira é a tendênciade apreciação da moeda brasileira em relação ao dólar e às demais moedas (euro,iene, yuan, peso). Tudo se passa como se essa valorização fosse resultado “natural”do recente sucesso da economia brasileira. Explica-se essa tendência devalorização pelos êxitos do país em termos de crescimento (3). A boaperformance da economia brasileira atrai investimentos externos em carteira (títulos, ações) e investimentos produtivos que pressionam a moeda brasileirapara cima. Só não é dito que a total liberdade do fluxo de capitais, associadaà mais alta taxa de juros do mundo, torna o Brasil o local mais atraente para aplicações estrangeiras de curto prazo. Tais aplicações têm como lastro uma dívida pública líquida e um Estado solvente que não dá calote! Nessa situação é muito difícil impedir a valorização da moeda brasileira!

A taxa de câmbio não está dissociada, portanto, dos juros altos. Historicamente, éimportante frisar, os países, que se desenvolveram e atingiram níveis elevadosde renda per capita, utilizaram, largamente, instrumentos de proteção de sua indústria nascente e de seu espaço econômico. Diga-se de passagem, o fazem atéhoje. Casos como os da Alemanha e dos EUA são conhecidos na literatura econômica.Os exemplos recentes são ilustrativos. O mais importante é o da China que mantém estrito controle sobre o valor, desvalorizado, de sua moeda. Exigir quepaíses no estágio de desenvolvimento do Brasil abram seus mercados e valorizemsua moeda não é nem natural, nem utiliza a história de países que atingiramaltos estágios de desenvolvimento como aprendizado.

Outro pontoda política econômica merece ser debatido no contexto de um projeto nacional dedesenvolvimento. Trata-se da estrutura tributária brasileira. Virou lugar comumfalar mal da elevada carga tributária brasileira. Ela é mesmo alta, considerando a nossa renda por habitante. Destrinchar esse enigma da alta carga tributária émuito importante para o futuro do país.

No Brasil,as famílias e pessoas de alta renda pagam pouco imposto (quando pagam). Mais dametade da carga tributária brasileira (alguns estudos apontam cerca de 60%) é constituída por tributos indiretos que incidem no consumo e no faturamento das empresas. Os impostos sobre a renda e o patrimônio, embora justos em termos de equidade, sãominoritários no bolo da arrecadação tributária. Mesmo no caso do imposto derenda, a maior parcela do montante arrecadado é constituída pelo imposto retidona fonte dos assalariados, e não das pessoas e famílias de renda mais alta.

Os impostosindiretos que incidem na circulação e no faturamento de bens e serviços são integralmenterepassados para os preços e são pagos por toda a população. Nesse modelo,aqueles que ganham menos pagam mais impostos, já que o valor do imposto cobradodo consumidor, de alta ou de baixa renda, é o mesmo. É o Robin Hood às avessas:quem pode mais paga menos!

A estruturado sistema tributário brasileiro tem tudo a ver com o recorrente debate sobre acompetitividade da economia brasileira. Como os impostos indiretos estãoembutidos nos preços dos bens e serviços, quanto mais dependente dos impostos indiretos é a arrecadação tributária, mais caros e menos competitivos são osprodutos brasileiros, dificultando a competitividade dos mesmos no comérciointernacional. Uma profunda alteração do sistema tributário, que alterasse as bases da tributação, aumentando a arrecadação pela via dos impostos sobre arenda e sobre o patrimônio, além da indiscutível justiça em tributar quem tem mais, teria enorme influência na competitividade internacional da economia brasileira.

Não há como negar que avançamos muito nos últimos anos no Brasil. O novo patamar de crescimentoe de geração de empregos, as políticas de valorização do salário mínimo, de transferência de renda, de expansão do crédito, entre outras, foram escolhas importantes da sociedadee do governo federal para atingirmos esse novo estágio de desenvolvimento.

Caminhando para se transformar na quinta economia do mundo, o Brasil tem atraído para si asatenções. Os grandes eventos esportivos (Copa, Olimpíadas), a necessária eurgente recuperação da infraestrutura econômica, a descoberta do pré-sal têm criado condições para que sonhemos com um futuro promissor para o país.

Nesse futuro, a imagem de um copo com água pela metade talvez sintetize nosso atual momento.Ou a frase “Tão perto, tão longe” possa expressar os próximos desafios. Mantero crescimento acelerado vai introduzir tensões inevitáveis na legítima disputapela renda nas próximas décadas. Um exemplo oportuno é o atual debate sobre ossalários no Brasil. É difícil visualizar um país desenvolvido com ostrabalhadores recebendo salários baixos. A trajetória do nosso desenvolvimento passa pela elevação da participação dos salários na renda nacional. Não háoutro caminho.

Acompanhandoos termos da discussão desse tema atualmente no Brasil, os analistas de sempredizem que os salários não podem crescer acima da produtividade. Não há como ignorar que a produtividade é um fator importante para viabilizar a elevação darenda per capita no Brasil. Mas, mantido o crescimento dos salários segundo aprodutividade, teremos congelada a atual e injusta distribuição de renda.

Esse talvezseja o principal desafio do país nos próximos anos. Como subir os salários e mantera competitividade da economia brasileira? Reduzir a carga de juros, transformara estrutura tributária e manter o câmbio em patamar competitivo são caminhospara que o país cresça, os salários subam e a distribuição de renda semodifique sem que as tensões dessa legítima disputa impeçam o desenvolvimento.

1) Não desconsideramos que o debate sobre o nível de renda per capita, ainda queimportante, não deve ser realizado

2 ) Comitêde Política Monetária instituído em 20 de junho de 1996, composto peladiretoria do Banco Central do Brasil

3) Atualmente,se essa fosse a única explicação, a moeda chinesa seria a mais valorizada do mundo!