Confira o artigo de Rosângela Vieira, técnica do DIEESE na Subseção da CNQ-CUT/Fetquim, em alusão aos 5 anos da tragédia de Mariana
Quantas toneladas exportamos
De erro?
Quantas lágrimas disfarçamos
Sem berro?
Carlos Drummond de Andrade, 1984
Cinco anos de lama, cinco anos de impunidade
A luta é contínua e a resistência é vital
No dia 5 de novembro de 2015, perto das 15h30min, a sirene não tocou. O “sono rancoroso dos minérios”, denso e profundo, foi rompido. Desabou e tingiu de lama a vida. Os 56 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério inundou a comunidade de Bento Gonçalves em Mariana (MG), ceifou 20 vidas e causos impactos irreparáveis ao meio ambiente e a sociedade.
Dezoito anos antes, em maio de 1997, a Companhia Vale do Rio Doce deixava de ser patrimônio público e tornava-se uma empresa privada. Este fato aprofundou o modelo exploratório predatório exportador mineral brasileiro. O modelo que prioriza o lucro em detrimento da vida e que resultou nas tragédias anunciadas, nos crimes impunes.
A Samarco, joint venture, controlada pela Vale, não mais do Rio Doce, e pela anglo-australiana BHP Billiton, foi a responsável direta pelo crime de Mariana. Indiretamente, porém, devemos mencionar o modelo mineral que impera no Brasil desde o período colonial. Minas Gerais, “do coração de ouro num peito de ferro”, há séculos vê a riqueza da sua geografia ser transferida e enriquecer os países centrais.
Passados cinco anos, não houve indiciados criminais. A injustiça impera. O processo de reparação é lento e ineficiente. O acordo indenizatório homologado pelo MPF, trata, de maneira insatisfatória, questões monetárias, como se fosse possível mensurar o valor das vidas. A Fundação Renova, criada pela Samarco para gerir as ações de reparo, tampouco conseguiu mapear todos os atingidos. Não existiu plano de reestruturação ambiental, o solo e o rio permanecem agonizando. A lenta reconstrução do distrito de Bento Gonçalves não acompanhou o acelerado processo de retomada de lucro da Vale. Somente no terceiro trimestre de 2020, o lucro da empresa foi de US$ 2.908 milhões com distribuição de um total de US$ 3,327 bilhões em remuneração aos acionistas. O lucro VALE mais.
Além disso, a situação é agravada pela própria trajetória do setor mineral brasileiro a partir do Golpe de 2016, que destituiu a presidenta legitimamente eleita Dilma Rousseff. Dentre tantas mazelas, destaca-se a promulgação do Novo Código de Mineração, em 2017, que foi resultado de articulação do setor empresarial e alterou o formato da agência reguladora, conferiu mudanças nas tarifas de produtos minerais e não contemplou as temáticas ambientais e trabalhistas; a tentativa da autorização do Governo Temer para exploração mineral em reserva ambiental na Amazônia, em 2018; a reforma trabalhista e previdenciária que retiraram direitos dos trabalhadores mineiros; e, em janeiro de 2019, mais um crime brutal que deixou 270 pessoas mortas, 11 pessoas desaparecidas e novos passivos sociais, ambientais e trabalhistas. Não esqueçamos de Brumadinho!
Já no Governo Bolsonaro, acentua-se o descomprometimento ambiental e com povos originários. A recente promulgação do Programa de Mineração e Desenvolvimento (PMD), reforça esta perspectiva. Na prática, o plano abre espaço para o capital estrangeiro, flexibiliza leis ambientais e permite ofensivas contra terra dos povos indígenas. Para 2021, já foi sinalizado o corte de verbas para Agência Nacional de Mineração que refletirá na fiscalização das barragens e garimpo ilegal. O orçamento previsto é 60% inferior ao valor necessário para as atividades da agência reguladora.
O fato é que a lógica exploratória mineral no Brasil é perpetuada e o Estado tem atuado de maneira negligente e entreguista. Um novo modelo mineral faz-se necessário. Um projeto que inclua a participação popular que seja economicamente viável, socialmente justo e ecologicamente correto. O lucro não vale mais que a vida. Os crimes que abrem buracos na terra e na vida não podem ficar impunes. Sobre a lama há a luta e o sangue de um povo.
Somos todos atingidos!
Atingidos por um modelo mineral exploratório que transfere nossas riquezas. Atingidos pela pobreza, pelo subdesenvolvimento e pelas desigualdades. Atingidos pelo imperialismo. Atingidos pelo Estado negligente. Atingidos pela falta de um projeto soberano popular. Atingidos pela lama na água, no solo e no ar. Atingidos pela opressão que toma nossa liberdade. Atingidos há séculos.
Cinco anos do crime de Mariana, maior crime ambiental e social brasileiro. Mais de 20 meses do crime de Brumadinho, dos maiores acidentes ampliados de trabalho do mundo. “Não beberemos a água do esquecimento.” A luta é contínua e a resistência é mais que vital.
Texto: Rosângela Vieira, técnica do DIEESE na Subseção da CNQ-CUT/Fetquim
Foto: Movimento dos Atingidos pelas Barragens