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Químicos e petroleiros contaminados pela Covid-19 enfrentaram uma doença dolorosa com massacre físico, social e mental

24/06/2020 às 17h53

Confira os resultados preliminares de um estudo de casos

Resultados preliminares de um estudo de casos mostra que o  sofrimento físico e psicológico estão entre as principais consequências de dez trabalhadores contaminados pela Covid-19  entre trabalhadores químicos e petroleiros, com idades de 36 a 55 anos, que atuam na produção essencial de matérias primas de diversas atividades de apoio ao  combate da Covid-19.

Os efeitos da Covid-19 sobre a saúde de trabalhadores, problemas na quarentena e demais relações sócio profissionais foi objeto de um estudo de casos, por vídeo conferência.  O estudo  qualitativo  da Universidade de Brasília (UnB) está sendo feito pelo pesquisador  Remígio Todeschini,  com supervisão do Prof. Wanderley Codo  e parceria da Fetquim-CUT-SP e seus sindicatos filiados, entre os quais o Sindicato dos Químicos do ABC e a CNQ-CUT, e contou também com apoio da FUP e do Sindicato dos Petroleiros do  Litoral Paulista.

Para Airton Cano, coordenador político da Fetquim-CUT, “esse estudo nos possibilita que sempre deveremos estar atentos na nossa mobilização e negociação em defesa permanente da saúde dos trabalhadores”. Por sua vez, Andrés Alves, Secretário de Saúde da Fetquim, “os exames massivos sobre Covid devem ser feitos permanentemente entre os trabalhadores para evitarmos contágios constantes nos locais de trabalho e exigir a CAT para todos os casos de contágio comunitário laboral”.

O massacre físico e psicológico da doença

Um dos químicos, que esteve internado em UTI,  assim resumiu o sofrimento da doença: “você está sendo massacrado, pelo corpo e pela doença do corpo. E a cabeça,  está sendo massacrada pelo lado e pelo  aspecto social, pelo aspecto psicológico”. A doença para os internados e entubados impôs um isolamento social e familiar cruel e desumano, segundo o relato do mesmo trabalhador: “Não poder dar um abraço, um beijo nos filhos, na esposa e pais, é muito difícil!”  Um dos petroleiros que também esteve na UTI, relatou que o maior sofrimento físico foi a falta de ar.

Os sintomas variaram de contaminado para contaminado. A descrição dos  sintomas físicos mais presentes entre os 10 trabalhadores pesquisados até o momento foram: 8 casos com perda do olfato; 7 casos com dor no corpo generalizada; 5 com dor nas costas e pulmões; Dor de cabeça constante e ou forte: foram  5 casos;  Pulmões comprometidos entre 25 a 50%: 5 dos casos; Febre: 4 casos; Cansaço extremo: 3 casos; Falta de ar e calafrios 3 casos cada. No total foram relatados 21 sintomas.

Na descrição das preocupações e sentimentos psicológicos, o medo de morrer esteve presente em todos os 10 casos. Um petroleiro, que foi entubado,  assim se expressou: “Minha maior preocupação psíquica era deixar a família exposta.”. Um  químico relata que  estava em pré pânico, ao ligar para a família antes de ser entubado e depois sedado.  Outro trabalhador químico internado comentou: “ Foi a primeira vez da minha vida que passei por alguns momentos que eu achei que não ia voltar mais!”.  Na sequência de problemas psicológicos registrados com 4 casos cada foram:  ansiedade, angústia e sentimento de culpa por contaminar família, colegas e vizinhos. A tristeza foi relatada por outros dois casos, além de outros sintomas psíquicos.

Solidariedade  da família e dos colegas de trabalho durante a quarentena

Houve o apoio dominante dado pelas famílias dos contaminados, que foi maior entre os casados, sendo que alguns filhos também tiveram os sintomas da doença durante a quarentena. Quatro entrevistados, entre químicos e petroleiros, relatam também a solidariedade dos colegas durante a contaminação: “ Eles ligavam todo dia para saber como você tá (….) sempre  davam bastante atenção”.

Uma doença que pode criar sequelas

Felizmente todos esses trabalhadores estão em recuperação afastados  e ou retornaram para suas atividades laborais depois que seus exames laboratoriais apresentaram resultados negativos. Três trabalhadores apresentam ainda sequelas. Um dos que  está passando por avaliação cardiopulmonar assim relata suas sequelas: “ No pós ainda tenho falta de ar, tenho dor nas pernas, ainda tenho dor nas costas.”

Principais causas da contaminação

Predominantemente o contágio foi comunitário laboral, ou seja teve origem nos locais de trabalho devido à falta de medidas iniciais como o não uso de máscaras faciais, aglomeração em locais de circulação como refeitório, vestiário, banheiro, salas de controle, oficinas e áreas de serviço. Um dos contaminados assim relata a origem do contágio: ““99% foi pego na empresa, porque, várias pessoas na empresa pegaram. Banheiro, vestiário, restaurante ou área que a gente trabalha”.

Dos 10 entrevistados: 6 relatam contágio laboral; 2 relatam entre contágio laboral e contágio no comércio local residencial; 1 relata contágio familiar, 1 relata contágio no supermercado. Entre os 10, três relataram que houve demora das empresas em afastá-los dos locais de trabalho o que provocou novos contágios, porém quando houve o afastamento dos contaminados,  demais colegas que trabalhavam juntos foram preventivamente afastados também.

Medidas iniciais que deverão ser tomadas para evitar a continuação da propagação

Em uma análise preliminar, quanto às medidas protetivas e preventivas a maioria dos entrevistados relataram a necessidade de realização de exames massivos de Covid de forma permanente. Houve retorno de quarentena sem que trabalhadores de turno fossem testados, o que contribuiu para o agravamento do contágio, além das saídas e entradas  das folgas grandes de 14 dias que viraram “quarentenas”.

A falta de pessoal foi alertada por um dos petroleiros em turno de 12 horas: “Que adianta eu trabalhar  as 12 horas, pra circular menos gente, e ficar mais tempo por  lá, se no meio da sala não tem como poder me virar , ah , porque está faltando gente!”

A maioria relatou que medidas protetivas e preventivas aumentaram após a contaminação,  quanto ao distanciamento social e medidas de proteção individual como o permanente uso da máscara cirúrgica ou de pano, máscaras acrílicas faciais,  tomar precaução quanto aglomerações em espaços comuns como vestiário, refeitório, salas de controle e áreas de trabalho.

As entidades representativas de trabalhadores deverão exigir a CAT, para a maioria dos casos de contaminados de contágio laboral aqui abordados, em virtude da garantia dos direitos trabalhistas, previdenciários e dos contratos coletivos em vigor.

O detalhamento e análises de conteúdo deste estudo terão continuidade nos próximos 90 dias.

Relato de Remígio Todeschini, pesquisador da UNB e assessor de saúde, trabalho e previdência da Fetquim-SP